Sobre a Suposta Refutação Hoppeana do PNA
(Também intitulável “O retorno que ninguém pediu: Uma releitura do sistema ético rothbardiano diante de alegações propagadas há anos”)
Quem estava na bolha libertária do Twitter lá por 2019 deve lembrar que em dado momento surgiu o assunto de que a ética rohbardiana (ER) teria sido refutada (não apenas melhorada ou superada) no evento da formulação da ética argumentativa hoppeana (EAH), que era bastante associada a uma distinção conceitual entre Jusnaturalismo (um apelo ao conceito de Lei Natural, sujeito ao problema da dicotomia “Ser <–> Dever ser”, popularmente conhecida como “Guilhotina [ou Lei] de Hume) e o Jusracionalismo (uma fundamentação puramente racional da lei, que não dependeria de um transição de descrições da natureza para prescrições normativas)
Me envolvi bastante na discussão naquela época. Infelizmente a situação chegou a beco sem saída onde não havia qualquer possibilidade de consenso. Cada lado tinha interpretações diferentes do que era dito e escrito, e naturalmente a impaciência resultante acabou criando um clima bem hostil
Eu ainda disponibilizo a gravação de um debate daquela época, que sinceramente nem me animo em rever, pois só serviu para mostrar como ninguém se entendia e todos já estavam fartos. De qualquer modo é bom ter isso registrado
Além de ser aparentemente uma briga perdida, porque estava no lado minoritário das pessoas mais investidas e seria relativamente mais exaustivo para mim ficar respondendo. Eu não encontro satisfação em “tretas” e acabei abandonando o assunto. Tanto que quando tive a oportunidade, me desculpei com alguns dos envolvidos por ter contribuído com toda aquela situação
Eu não deixei de me interessar sobre o assunto e continuei tendo a minha opinião, só não julgava haver mais interesse significativo de outras pessoas, visto que com o passar dos anos o ambiente para isso também desapareceu
Aquela fase de “autismo” libertário generalizado, de discutir a teoria e buscar obras (do qual particularmento sinto bastante falta) foi dando lugar para a maior predominânica de figuras caricatas, “biscoitagem” e frases de efeito, que sempre existiu em alguma medida mas passou a ser hegemônico... Eu era feliz e não sabia
Apesar disso, recentemente, em uma live do Fhoer sobre assunto completamente distinto (as atrocidades ditas por Renato “Trezoitão”), foi feito um comentário breve sobre esse episódio, aos 55:56:
Senti vontade de expor [tardiamente] de forma organizada minha versão e interpretação dessa discussão, não com intenção de reviver animosidade, mas para que não se entenda como uma questão intelectualmente finalizada. Isto é, ao menos para esta voz no deserto, pois eu tenho alguma consciência de que minha relevância não é tão grande quanto eu gostaria que fosse
“Diretamente da boca do cavalo”
Pieguismo à parte, a alegação de refutação parece considerar uma ética rothbardiana baseada (ênfase necessária) no Princípio de Não-Agressão (PNA). O artigo citado nesse trecho, o “Beyond Is and Ought” da Liberty Magazine de 1988, foi tratado como a evidência mais direta dessa refutação do PNA
O trecho em destaque principalmente foi repetido à exaustão como uma prova cabal de que não haveria espaço para discussão
Obviamente, Murray Rothbard admite aí ter sido exposto em seu erro sobre alguma coisa:
Ao se observar o artigo completo, parece claro o bastante que o “And yet” faz menção à sua antiga defesa de que conclusões sobre filosofia política (no caso, um sistema ético) não poderiam ser feitas por economistas a partir de seu próprio método livre de juízos de valor
Até aí, parece uma afirmação sobre o estudo da ética como um todo (ou uma afirmação meta-ética, digamos assim) e não sobre seu próprio sistema ético especificamente
Para elucidar melhor o quão disruptivo Rothbard entendia ser o trabalho de Hoppe, outro trecho do artigo e uma gravação da época (áudio ruim, mas faça um esforço) são importantes
Basicamente tratando da forma como o argumento hoppeano transcendia o cansativo debate entre utilitaristas e jusnaturalistas ao utilizar uma abordagem diferente e mais “hardcore”, baseada em no que seria uma “vertente aristotélica do kantismo” (mas disso ao fim)
Isso dava à EAH um status de prova da posição rothbardiana (ou “anarco-lockeana”) mais forte que a formulada pelo próprio Rothbard, considerada pelo mesmo a única “satisfatoriamente absoluta” até então
A leitura mais objetiva/intuitiva disso me parece ser a de que Murray vê seu argumento como fraco (“almost wimpy”/“quase fracote”, outro termo repetido à exaustão como prova cabal) em comparação, não “desmentido”/“refutado”. A refutação em si, aquilo em que Rothbard admite ter sido desmentido, diz respeito à necessidade de sua abordagem original, não à sua validade
Em minha opinião, a segunda interpretação nem faria sentido, visto que é ao menos bastante difícil conceber uma refutação que chega à mesma conclusão (no caso, um sistema de direitos anarco-lockeano) do que é refutado]
“Por assim dizer”
E o que Hans Hoppe, por sua vez, teria a dizer sobre isso? O que tenho conhecimento sobre essa questão está contido em duas entrevistas da época (aqui e aqui) e na longa e excelente introdução ao The Ethics of Libery (1982), adicionada em edições mais modernas:
Em primeiro lugar, fica evidente uma reafirmação de que o sistema rothbardiano original trata Economia e Ética (ou Filosofia Política) de maneira distinta, com o importante adento de que mesmo assim há um vínculo entre os dois: os conceitos de propriedade privada e ação humana
O que revela não apenas conclusões similares da ER e da EAH, mas uma tentativa de as obter da mesma maneira: por meio da reaproximação e eventual unificação de duas áreas de conhecimento antes tratadas de modo completamente distinto
Quanto à distinção de áreas defendida por Rothbard previamente, e como ela não apenas não é tão drástica mas também é harmonizável com a EAH, não vejo mais o que esclarecer além do que já apresentei aqui, e isso não diz respeito ao restante da discussão
A contribuição hoppeana
Se a abordagem rothbardiana já estaria no caminho certo (independente de ter sucesso completo ou não) para Hoppe, no que o mesmo acreditaria ter avançado esse estudo? Em uma das entrevistas também se obtém uma resposta para isso:
Hoppe parece considerar a ER como algo plausível e intuitivo, suficiente para aqueles que não sejam extremamente curiosos, céticos ou relativistas morais. Enquanto isso, a EAH seria uma resposta definitiva para esses tipos, um argumento transcendental, colocando a propriedade privada como precondição da própria argumentação, que seria necessária para contestar o sistema ético anarco-lockeano (ou qualquer sistema ético racional)
Rothbard conhecidamente celebrou essa conquista
Então os dois estavam de acordo sobre a “refutação do PNA (entendido aqui como a própria ER)”?
As palvavras do próprio Hoppe dificilmente poderiam ser mais diretas sobre isso: seu trabalho teve a intenção de reforçar o argumento já presente em The Ethics of Libery, visto que algumas pressuposições éticas do livro careceriam de rigor:
“Puxe o gatilho, Hans!”
Uma especulação, quase tomada como fato, na época foi a de que Hans Hoppe estaria pisando em ovos ao tratar desse assunto, não afirmando de forma simples e direta que superou e refutou o mentor, por respeito a ele
Hoppe obviamente tem muito respeito e gratição por Murray Rothbard, mas seu histórico não justifica vê-lo como alguém intelectualmente tímido
O mesmo não demonstrou acanhamento ao condenar o antigo professor, Habermas, ou até diminuí-lo em relação a colegas, por estar em desacordo com suas posições, mesmo reconhecendo que deve algo ao orientador de outrora:
Sinceramente, não vejo nesse tipo alegação muito peso para a discussão. Além de a análise da psique do escritor ser sempre muito incerta e especulativa, os indícios não apontam de modo algum apenas para a conclusão de que Hoppe teria esse pudor em suas críticas
Gregos e troianos
Talvez o primeiro grande entrave considerável dessa discussão seja concordar no que seria uma “refutação”: Abrir um segundo caminho para o mesmo destino, mais curto ou direto, menos sujeito a obstruções, invalidaria o primeiro? Tornaria-o impossível de ser utilizado? Se sim, tudo não passaria de um problema semântico:
Porém, as declarações que tenho registradas deixam relativamente clara a alegação de uma exclusão mútua entre ER e EAH, que diz respeito à estrutura dos dois argumentos. Acredito que possa reproduzir essa alegação de forma completa como:
“A ER é o PNA porque é BASEADA no PNA (i.e. parte do princípio da não-agressão para chegar às demais conclusões de direitos de propriedade), e não só estabelece como depende da relação PNA –> PP (propriedade privada), nesse sentido. Ao mostrar a não-agressão como um corolário, derivado da justificação de PP (i.e. PP –> “P”NA), a EAH invalidaria as supostas alegações da ER”
O termo “Princípio de não-agressão” já indicaria se tratar de um primeiro princípio (aparentemente redundante mas existente em expressões inglesas como “arguing from first principles”) ou axioma, um ponto de partida
Em contrapartida, minha posição sempre foi a de que, apesar das confusões e possíveis usos não rigorosos do termo “princípio”, a não-agressão não é tratada como um axioma ou um primeiro princípio no argumento rothbardiano em si:
[Adendo] O arquivo H³
À época da discussão, até ao próprio Hans-Hermann Hoppe foram solicitados, via e-mail, esclarecimentos acerca da posição libertária atual sobre o PNA. Eu tomei conhecimento das mensagens mas não tinha guardada qualquer uma delas, por não julgar que alterassem em muito a discussão. De qualquer modo, após a publicação do artigo recebi o registro de uma delas, usada pelo argumento pró-refutação:
Novamente, se obter a confirmação “oficial” de que o PNA não é um primeiro princípio [ou axioma] encerraria a questão para alguém, parece óbvio pensar que essa pessoa entende a ER como uma afirmação da não-agressão como esse primeiro princípio. O e-mail não faz para mim muito mais do que reforçar que estou representando a posição de meus opositores da maneira correta
Careca ao resgate... ou não
É pouco discutível que o entendimento médio da ética libertária (principalmente por seus detratores e infelizmente por muitos de seus adeptos) não é algo muito distante de uma defesa lockeana do liberalismo, grosso modo: “O ser humano é naturalmente benevolente, portanto é benéfico não privá-lo de sua liberdade na medida do possível”. Esse arbitrário (porque o estado de natureza iluminista é mera opinião) direito natural à liberdade é facilmente utilizado para representar o PNA como um direito à não agressão justificado por si mesmo, por uma inclinação humana a não agredir
Desse modo, surge a pergunta: é algo nesse sentido a defesa feita por Murray Rothbard de seu sistema ético anarco-lockeano? Um misto de acusação e defesa é feito por Stephan Kinsella em seu comentário sobre o debate entre Stefan Molyneux e um “left-libertarian”:
Aí temos uma citação direta de Murray Rothbard se referindo à não-agressão como um axioma ou um primeiro princípio, no qual “agressão” é equivalente à “invasão”. O trecho é retirado do Libertarian Manifesto (1973) e é repetido em outras passagens, se referindo ao que seria a raiz do “credo libertário” de maneira geral, incluindo vertentes emotivistas, utilitaristas e anteriores à ER, que o justificam de maneiras diferentes:
Se essa é de fato a posição rothbardiana, e não apenas a descrição do movimento libertário de forma mais ampla, esta também é a oportunidade perfeita para invalidar a ER sem mesmo a necessidade da EAH. O que Kinsella aponta, no entanto, é a falta de rigor no uso do termo “axioma', seja no sentido de “first principle”, “apriori” ou de verdade auto-evidente:
Como adiantamento do que está por vir, é neste último sentido que o termo “axioma” é empregado em The Ethics of Liberty (1982), livro no qual os termos “nonaggression principle”, “nonaggression axiom”, “NAP” ou “NAA” nem mesmo aparecem. Já presenciel este livro e o Libertarian Manifesto (1973) sendo promovidos como equivalentes, ignorando como o argumento rothbardiano se torna mais completo e de linguagem mais rigorosa ao longo de 9 anos, como diz Hoppe:
Não tão direto ao ponto
Mas qual é o argumento rothbardiano [na forma supostamente refutada em 1988], afinal?
É isso que quero tentar destrinchar aqui, mesmo que eu acredite que as descrições dadas nas seções introdutórias do Ethics of Liberty já deveriam bastar para nossa discussão:
Como já visto, na Introdução Hoppe descreve a ER como BASEADA na propriedade e em um conjunto de observações empíricas:
No prefácio do próprio Rothbard, afirma-se que a chave para uma teoria da libertade é o estabelecimento dos direitos de proprieade privada, a partir dos quais ENTÃO o crime pode ser definido e analizado como invasão violenta de propriedade justa (i.e. agressão):
Premissas pouco explícitas
Mas vamos aos detalhes de formulação da ER
Primeiramente, uma premissa que não é tão desenvolvida no livro, por ser ponto pacífico até entre teóricos juspositivistas, é o chamado Princípio da Universalização ou Regra de Ouro, como indicado por Hoppe na introdução, e por Rothbard no capítulo 7:
Meu adendo pessoal é: este princípio não é justificado pelo mero consenso, mas pela conclusão de que, se reconhecemos outras pessoas como integrantes de uma mesma classe ontológica de seres racionais e agentes morais, a regra que se aplica a uma de suas instâncias deve ser aplicável e aplicada a todas. Essa intuição é rejeitada por cosmovisões solipsistas (em que apenas um sujeito moral existe) ou aristocráticas (em que não somos fundamentalmente parte da mesma classe de seres, e uns tem direitos e deveres diferentes de outros). Se isso é um desafio para a ER, também o é para toda outra ética humana (i.e. para uma classe única de seres humanos), inclusive para a EAH. Mas aqui estamos já considerando a formulação de uma ética humana como objetivo
Outro premissa fundamental, que não é suficientemente destacada, mas aparece como resposta a uma possível objeção ao longo do capítulo 6, é a demonstrada necessidade de que a vida seja um valor objetivo a ser afirmado na discussão de normas éticas. Esse argumento deixa claro o que, para Rothbard, classifica uma proposição como um axioma: a impossibilidade de tentar negá-la sem afirmá-la no curso de sua negação:
Hoppe dá especial destaque para essa passagem e até vai um pouco longe em sua interpretação dela, demonstrando que ali já havia um “insight” a ser usado na EAH:
O que realmente é natural?
Resgatadas essas premissas que eu preferiria ver bem destacadas no início da obra (já que são muitas vezes ignoradas no julgamento da ER, especialmente a segunda), voltemos ao começo da Parte 2 do livro e sigamos em ordem agora
O capítulo 6, que inicia a formulação da ER, é dedicado ao que pode ser chamado de “propriedade natural” i.e. aquilo que o ser humano, mesmo isolado em uma ilha e desprovido de memória, descobre na natureza serem os meios materiais fundamentais para sua ação: seu próprio corpo e os recursos intocados que transforma (fazendo uma primeira apropriação ou “homesteading” lockeano) para satisfazer suas necessidades e desejos:
Perceba que não estamos tratando aqui de inclinações “naturais” no sentido biológico, quase instintivas, mas do que o ser humano compreende sobre si mesmo e o mundo à sua volta, sobre essas duas naturezas e a interação entre ambas, por meio da RAZÃO. Tal compreensão torna a distinção jusnaturalismo x jusracionalismo bastante descabida, uma vez que a “Lei Natural” não é aqui entendida como mero “Essa é a lei pois somos naturalmente assim”, e sim como algo passível de ser racionalmente descoberto, e não arbitrariamente inventado (ou instintivamente seguido)
Outra dessas leis naturais também verificadas é a necessidade de que, antes do consumo de algo para satisfazer um fim humano, esse mesmo algo precisa ser produzido de forma direta ou indireta (por meio de bens de capital previamente produzidos):
Um herege aristotélico
Leitores atentos percebem que para Rothbard o conhecimento sobre a estrutura da ação humana é obtido na interação com o meio, com a realidade sensível, o que parece estar em conflito com a ideia desta como um conhecimento a priori, observado nas obras de Mises. Essa divergência não é por acaso e parte das diferentes fundamentações epistemológicas dos dois, difereça algumas vezes mal vista no ambiente libertário de quando a discussão sobre PNA refutado surgiu
De maneira geral, Mises e Hoppe são Kantianos e Rothbard um aristotélico-tomista, e essas visões muitas vezes são tidas como incompatíveis. Aparentemente, no entendimento de libertários mais kantianos, por divergir dessa base filosófica de seu predecessor e de seu sucessor, Rothbard correria risco de fazer uma aplicação incorreta da análise praxeológica ou ter um embasamento ético errado
Existe uma falta de nuance nisso que faz o suposto abismo entre eles parecer muito maior do que é
Em um artigo do site [de viés objetivista] Rebirth of Reason sobre a abordagem rothbardiana para a teoria austríaca, 2 citações esclarecem a posição de Rothbard:
Em suma, se para o neo-kantiano (mais sobre isso depois) Mises o axioma da ação, sendo um sintético a priori, poderia ser deduzido por pura introspecção, para Rothbard essa categoria de conhecimento não é possível, e o conhecimento da ação humana viria da reflexão sobre a experiência sensível
Porém, é preciso reforçar, essa experiência necessária para se chegar ao axioma da ação é tão direta e imediata que, para todos os efeitos, seria possível chamá-la de apriorística em relação aos demais eventos históricos estudados pela economia
Sobre o “neo-kantismo” ou “vertente aristotélica do kantismo” já mencionados, Hans Hoppe apresenta uma explicação muito esclarecedora em Economic Science and The Austrian Method (1995), mostrando Mises como mais que um kantiano “puro”:
Por meio da reinterpretação misesiana da epistemologia de Kant, categorias da mente se tornam categorias da ação, o vínculo entre mente e realidade, e a epistemologia de Mises, adotada por Hoppe, se torna muito mais explicitamente realista e próxima da aristotélica
Fecho aqui então esse parênteses aberto para dispensar qualquer acusação de que Rothbard esteja tomando liberdades indevidas no tratamento da praxeologia
Definições iterativas
O capítulo 7 introduz um novo indivíduo humano à ilha de Crusoé e se dedica à interações pacíficas e trocas voluntárias, descrevendo como se pode consumir não apenas o que se produz, mas o que se obtém pela troca, e defendendo a teoria das vantagens comparativas
De maneira geral não importa muito para nossa discussão, senão por afirmar a regra de universalização e ser o primeiro capítulo onde aparece o termo “agredir”, que aqui parece estar sendo usado na definição do que seria um estado de liberdade, no qual individuos compartilhando um espaço podem viver como se estivessem em isolamento, mantendo sua propriedade natural:
O termo então se refere a agressão de “propriedade natural”, e não propriedade justa, e parece estar sendo usado como “invasão” de maneira geral, como no Libertarian Manifesto, não estritamente como iniciação dela, e isso será mais bem trabalhado no capítulo 9
Enfim o conflito
O capítulo 8 chega ao cerne da questão, tratando do que viemos futuramente a chamar de “conflito”, discutindo qual o critério justo para atribuição de propriedade em um caso de disputa entre diferentes indivíduos: a propriedade natural ou outro tipo de propriedade
Primeiramente trata-se do caso específico da propriedade sobre o corpo humano, e isso é feito pela comparação das diferentes possibilidades. Além da autopropriedade integral (natural), são considerados (1a) a propriedade coletiva de todos sobre todos, (1b) a negação da autopropriedade inata, e (2) a propriedade de um grupo sobre outro:
O caso 2 obviamente viola a regra de universalização, já defendida previamente
O caso 1a, mesmo ignorando a extrema dificuldade operacional, impossibilita a vida humana, uma vez que qualquer ação necessita do uso do seu corpo, e mesmo para pedir autorização coletiva para esse uso seria necessário fazê-lo sem autorização
O caso 1b é análogo
Na impossibilidade de outra alternativa , a autopropriedade integral ou propriedade natural sobre o próprio corpo é selecionada, pois atente aos dois critérios estabelecidos
Mesmo que haja uma menção [incompleta] sobre agressão no início do capítulo, perceba que a autopropriedade não é defendida em termos desta e.g. “A autopropriedade é justa pois agredir o corpo alheio é errado”. Em outras palavras, essa conclusão não é obtida com base no PNA
Continuando o capítulo, o argumento é extendido ao caso de propriedade externa ao corpo
Já seria possível defender como justa aquela (1) obtida por meio de primeira apropriação lockeana ou troca voluntária, uma vez que ela é decorrente da autopropriedade natural, que já foi justificada, mas mesma assim são consideradas as demais possibilidades: (2) o direito de expropriação por indivíduos retardatários, que não são os primeiros apropriadores, ou (3) novamente a opção comunista de propriedade coletiva sobre qualquer bem produzido:
De maneira ainda mais direta, opções 2 e 3 violam os dois critérios estabelecidos: tudo o que é consumido precisa ser produzido, e a permissão do parasitismo individual ou coletivo invariavelmente separa a humanidade em uma classe de produtores e outra de expropriadores; além disso, esse regime vai em oposição ao que entendemos economicamente como o motor da prosperidade humana, atentando contra vida humana de maneira geral, não pela agressão, mas pela constante subtração material
Novamente não há apelo ao PNA, e Hoppe resume o argumento rothbardiano também sem fazê-lo:
O que se alinha com sua descrição de que a ER se baseia “no conceito de propriedade e em algumas poucas observações empíricas” (no caso, as consequências materiais, biológicas e físicas de cada um dos casos analisados)
Endireitando a agressão no tapa
Apenas no capítulo 9, acerca da criminalidade, o conceito de “agressão” vai ser refinado e redefinido em tempos da propriedade justa ou legítima, que é neste caso coincidente mas conceitualmente distinta da propriedade natural:
O último dos rothbardianos [que se importa]?
Eu acredito que isso baste como uma prova quasi-exaustiva de que a ER não pode ser reduzida ao PNA. E tenho a intenção de que essa seja a exposição definitiva da minha posição nesse debate
Se não servir para convencer da posição em si, que ao menos prove que minha negação do “PNA refutado” não está apoiada em mera teimosia em aceitar uma verdade óbvia ou desonestidade intelectual, talvez emocionalmente motivada por salvaguardar a reputação do professor Murray
Que o texto possa ser bem recebido por quem quer que tenha interesse pelo assunto